Protesto em Kathmandu capital do Nepal em setembro de 2025 • Reprodução/Reuters CNN
O Nepal, pequeno país localizado no sul da Ásia entre dois grandes países, China e Índia, tem vivido uma das maiores ondas de instabilidade política desde o fim do regime monárquico, em 2008. O que começou como um protesto digital contra o bloqueio de redes sociais em meados de setembro deste ano evoluiu, em questão de dias, para uma revolta nacional liderada por uma organização de jovens nepaleses chamada “Geração Z” indignados com décadas de corrupção, nepotismo e desigualdade social.
De acordo com dados recentes, mais de 70 pessoas morreram e mais de 2 mil ficaram feridas nos confrontos que ocorreram no país desde o início de setembro. Prédios públicos e sedes de partidos foram incendiados, enquanto o ex-primeiro-ministro, K. P. Sharma Oli, acabou renunciando sob forte pressão popular e militar. O estopim da crise ocorreu no dia 4 de setembro de 2025, quando o governo de Oli anunciou o bloqueio de 26 plataformas digitais — incluindo Facebook, Instagram, X (antigo Twitter) e YouTube — alegando descumprimento de normas de registro e segurança de dados.
Para uma juventude conectada, que vive, trabalha e se expressa através da internet, a decisão soou como uma tentativa de censura e controle ideológico. Em poucas horas, hashtags como #nepobabies — termo usado para denunciar filhos e parentes de políticos privilegiados — viralizaram, escancarando a distância entre as elites e a população comum.
O descontentamento, que já vinha crescendo com o desemprego, os baixos salários e a corrupção crônica, encontrou ali um catalisador. O que se via nas ruas de Kathmandu, Pokhara e Biratnagar era o reflexo de anos de frustração social contida.
Os protestos começaram de forma pacífica, mas logo degeneraram em confrontos violentos. A polícia reagiu com gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, enquanto os manifestantes responderam com incêndios, barricadas e depredações.
Relatórios apontam que mais de 200 prédios públicos foram danificados até esta data, entre eles, sedes de ministérios e o próprio Parlamento. Vídeos compartilhados antes do bloqueio mostravam milhares de jovens marchando com cartazes, exigindo “um novo Nepal para a nova geração”.
Em meio ao caos, professores e servidores públicos também entraram em greve, exigindo melhores condições e denunciando uma nova lei educacional que ameaçava direitos da categoria. O movimento ganhou força e se uniu à pauta juvenil, formando uma frente inédita de resistência popular.
Sob forte pressão das ruas e de parte das Forças Armadas, o primeiro-ministro, K. P. Sharma Oli, renunciou em 9 de setembro de 2025. No mesmo dia, o governo recuou da medida de censura e revogou o bloqueio das redes sociais.
Para conter o colapso institucional, o Parlamento dissolvido nomeou a ex-chefe da Suprema Corte Sushila Karki como primeira-ministra interina. Figura respeitada por sua integridade e independência, Karki assumiu o compromisso de pacificar o país, organizar eleições antecipadas em março de 2026 e instaurar uma comissão anticorrupção.
Mas a tarefa está longe de ser fácil. Em poucos dias de mandato, Karki já enfrenta resistência de partidos tradicionais, que a acusam de agir sem legitimidade parlamentar. Além disso, ministros e líderes políticos continuam sendo hostilizados nas ruas — alguns chegaram a ser agredidos por manifestantes em busca de “justiça social”.
Vídeos e reportagens independentes, como “Nepal – A história que não te contaram”, vêm ajudando a explicar a profundidade da crise. Esses materiais mostram um país exausto, onde o nepotismo e o clientelismo dominam há décadas, enquanto jovens formados não encontram oportunidades e buscam trabalho no exterior.
A dependência de remessas de nepaleses emigrados — que representam cerca de um terço do PIB — é outro sintoma de um modelo econômico precário. Muitos desses jovens veem as redes sociais como sua única janela para o mundo e, por isso, reagiram com tanta intensidade ao bloqueio.
A revolta da Geração Z é tanto um ato político quanto um manifesto cultural: ela simboliza uma ruptura com a política velha e com as dinastias partidárias que há décadas se alternam no poder.
Analistas internacionais apontam que o Nepal vive um ponto de inflexão histórico. Se o governo interino conseguir implementar reformas estruturais e preparar eleições livres e transparentes, o país pode finalmente iniciar um novo ciclo democrático. Caso contrário, há risco de retorno à instabilidade e até de fragmentação social.
Enquanto isso, nas ruas, o sentimento é de esperança misturada com desconfiança. “Não queremos outro político, queremos um novo Nepal”, gritou uma jovem manifestante em frente ao antigo prédio do Parlamento — frase que já virou lema da rebelião.
O que acontece no Nepal hoje é mais do que uma crise de governo — é um grito geracional. A Geração Z nepalesa não apenas exige o fim da corrupção e da censura, mas também um recomeço: uma política que reflita a realidade digital, a igualdade e a transparência que o país promete, mas nunca entregou.
Entre ruínas de prédios e fumaça nas praças de Kathmandu, uma nova identidade nacional tenta nascer — uma que, pela primeira vez, pertence aos jovens.
Por: Pedro Lima.
Revisado e editado por: Iago Hitomi.